Nos primeiros anos de colonização do Brasil, o vinho já era produzido e bastante consumido em vários países da Europa, incluindo Portugal. O país ibérico já exportava para Inglaterra desde o século XII. Portanto, sem dúvidas, a cultura desta bebida tão especial também desembarcou em solo brasileiro naquele 22 de abril de 1500.
Brás Cubas é considerado o primeiro viticultor brasileiro. Ele ordenou, em 1532, a plantação de mudas de parreiras trazidas de Portugal nas encostas da Serra do Mar, litoral paulista — na então vila de Santos.
Mas devido ao clima, a plantação não deu certo. Brás Cubas seguiu fazendo testes em outras áreas mais afastadas do litoral, encontrando em Tatuapé (SP) um lugar mais ameno. Foi então que o Brasil produziu seu primeiro vinho.
Algumas décadas depois, as missões jesuítas dos padres espanhóis povoaram parte do Rio Grande do Sul; e como parte da sua tradição, o vinho estava sempre presente nas missas. Existem registros de videiras cultivas a partir de 1626, trazidas pelo Padre Roque Gonzalez.
Por volta de 1640, surge mais outra iniciativa de implementar vitivinicultura no país, desta vez no Nordeste. A empreitada foi liderada por Maurício de Nassau, em Pernambuco, mas infelizmente não durou muito tempo.
Em meados de 1808, com a vinda da Corte Real portuguesa para o Brasil, mais um pequeno passo foi dado. Dom João VI acabou impulsionando a produção vinífera para atender ao crescimento no consumo de vinho pelos lusitanos, que vieram junto nessa época.
O novo e significante capítulo na história do vinho no Brasil tem relação direta com a imigração italiana no Rio Grande do Sul. Esse movimento migratório foi intensificado a partir de 1871 em função das guerras e conflitos na Europa, além de políticas brasileiras de povoamento.
Mais de 70 mil famílias chegaram ao Brasil até 1910. Na bagagem, estes povos trouxeram também a cultura do vinho como alimento e o domínio da sua produção. Na Serra Gaúcha, os emigrados de diversas regiões da Itália encontraram características similares às do Vêneto, no norte da Itália, como clima, montanhas e solo.
Foi justamente nesse período de transição entre os séculos 19 e 20 que algumas vinícolas centenárias, de muito sucesso até hoje, foram fundadas.
Não foram poucas as dificuldades enfrentadas naqueles tempos. Porém o empreendedorismo, a perseverança e a coragem daqueles agricultores foram determinantes para o desenvolvimento da vitivinicultura no Brasil.
É importante considerar dois fatores relevantes para o sucesso da vitivinicultura no Rio Grande do Sul no início do século XX: utilização de uvas de origem americana (Vitis labrusca), como a Isabel; e a formação das cooperativas.
As cepas da espécie Vitis labrusca são uvas mais resistentes, tem alta produtividade e se adaptaram melhor ao clima e às condições da época. Por estes motivos, contribuíram fortemente para o desenvolvimento da produção de vinhos e sustento das famílias.
Atualmente as principais variedades de Vitis labrusca plantadas no Sul do país são Isabel, Bordô, Niágara e Concord.
Já a criação das cooperativas trouxe uma estrutura de organização formal para os produtores, viabilizando melhorias, aprimorando técnicas de produção, bem como aumentando o valor das uvas e seus produtos.
Esse processo contou com o apoio do governo federal, que de olho na arrecadação de impostos, contratou o especialista em montagem de cooperativas, José Stefano Paterno. Ele foi um importante advogado italiano, que obteve sucesso em implantações similares na Itália e no Paraguai.
Com mais de 30 cooperativas criadas, em 1912 foi fundada a Federação das Cooperativas do Rio Grande do Sul.
Nos anos 20 foi intensificada a plantação de uvas finas (Vitis vinifera), com foco em qualidade. As variedades Merlot, Chardonnay e Cabernet Franc foram as mais implantadas.
Os estudos científicos tiveram um papel fundamental na disseminação do conhecimento e práticas vitivinícolas. O famoso livro Manual do Vitivinicultor Brasileiro, escrito por Celeste Gobbato, foi considerado a “Bíblia” do vinho na época.
Nele continham, de forma ilustrada e didática, todas as práticas averiguadas na Estação Experimental de Viticultura e Enologia instalada em Caxias do Sul.
Outro livro clássico, publicado nos anos 40, é o Uvas do Brasil, escrito por Julio Seabra Inglez de Sousa. Ele e os pesquisadores Luiz Pereira Barreto e Campos da Paz eram considerados referências no mundo do vinho e produção de uvas.
A participação de empresas estrangeiras no cenário vitivinícola no Brasil teve seu início em 1951. Neste ano ocorreu a importante chegada da vinícola francesa Georges Aubert, que trouxe investimentos e intercâmbio de know how; ampliando a área plantada, prestando assessoria e incentivando produtores a apostarem em uvas de qualidade superior.
A empresa também foi responsável pela introdução do sistema de condução espaldeira, como substituição da latada, bem como novas técnicas de manejo e vinificação.
O fluxo maior de multinacionais em território nacional aconteceu nos anos 70, com a chegada de empresas como Almadén, Chandon, Martini e Cinzano. Com a entrada destes players internacionais, as tradicionais vinícolas brasileiras se viram obrigadas a se modernizar e a profissionalizar seus processos.
Foi o empurrão necessário para que as famílias investissem em conhecimento e qualidade; incentivando seus membros à formação em enologia e dando fruto a criação de novas vinícolas nas décadas de 70 e 80, focadas em vinhos finos.
A produção enológica e de uvas de mesa no Rio Grande do Sul foi, durante mais de sete décadas, a principal fonte econômica da Serra Gaúcha. Atualmente impulsiona também a indústria do enoturismo na região, com mais de 1 milhão de visitantes por ano, contribuindo para a formação de imagem e identidade do vinho brasileiro.
Os anos 90 foram um marco para o vinho brasileiro. Com a liberação das importações, a indústria pôde se atualizar através do acesso à compra de insumos e equipamentos estrangeiros, mais avançados tecnologicamente. O resultado foi uma modernização sem precedentes e um salto na qualidade dos produtos.
De igual forma, a abertura do mercado para produtos estrangeiros proporcionou ao consumidor brasileiro maior oferta em rótulos, gerando concorrência com o produto nacional. Em consequência, foi registrada uma ampliação no desenvolvimento técnico de profissionais do segmento e o nível de exigência do consumidor.
Em 1995, numa iniciativa dos produtores, o Brasil aderiu como país-membro à Organização Internacional da Uva e do Vinho (OIV) — entidade que regula e arbitra as principais questões relativas à bebida entre os países produtores de todo o mundo.
Foram anos de grande evolução para o mercado vinífero no Brasil, com foco na qualidade e consolidação do país no cenário global, especialmente como excelente produtor de espumantes.
No início do século XXI, depois de uma trajetória centenária, o vinho brasileiro conquistou sua primeira indicação geográfica obtida junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Em 2002, a Indicação de Procedência (IP) Vale dos Vinhedos foi reconhecida e em 2012 transformada em Denominação de Origem (DO).
A DO Vale dos Vinhedos regulamenta a produção de espumantes e vinhos tranquilos oriundos desta pequena região, com uma série de exigências para que os produtores possam ostentar o selo da DO em seus produtos.
Atualmente o Brasil conta com outras seis indicações geográficas. São elas, em ordem de alfabética:
Atualmente o Brasil é o 5º maior produtor de vinhos do Hemisfério Sul, com aproximadamente 78 mil hectares plantados e produção anual de 700 milhões de quilos de uvas, dividida em variedades americanas e híbridas (90%) e viníferas (10%).
O Rio Grande do Sul é responsável por 85% desse montante. Os 15% restantes se dividem entre os estados de Pernambuco, Santa Catarina, São Paulo, Paraná, Bahia, Minas Gerais, Goiás, entre outros.
O consumo de vinhos no Brasil é de 2,7 litros per capita/ano, segundo a Ideal Consulting. O crescimento desse número está entre as principais expectativas do setor, que tem vivido uma grande democratização da oferta e consumo.
Neste novo cenário há um acesso muito mais facilitado ao vinho, resultado do aumento da capilaridade de distribuidores e pontos de vendas presenciais; e o incremento das vendas on-line, seja direto pelas vinícolas como pela grande quantidade de e-commerces no Brasil.
Atualmente o país conta com mais de 1.100 vinícolas, envolvendo mais de 50 mil famílias na viticultura, gerando emprego e renda em toda cadeia produtiva — incluindo desde insumos, como embalagens e barricas; até logística, educação, pesquisa, análises, enoturismo, entre outras.
A trajetória do vinho brasileiro é marcada pela garra e dedicação de incansáveis produtores, que perseveraram com muito trabalho, planejamento, investimento, inovação e profissionalização. Além, claro, da busca incessante pela excelência, hoje já alcançada e atestada pela alta qualidade e diversidade nos vinhos produzidos.
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